Páginas

terça-feira, 10 de abril de 2012

Educação em Direitos Humanos: políticas curriculares


Disciplina: Tendências contemporâneas do Currículo

Educação em direitos humanos: políticas curriculares

Autora: Vera Maria Candau

Professora da PUC-Rio de Janeiro



As reflexões sobre políticas curriculares mostram-se intensificadas nos últimos anos, no entanto, a problemática dos direitos humanos, assim como sua incidência no cotidiano escolar não tem sido abordada e trabalhada de forma mais ampla, diferente de outros países latino-americanos.

 No Chile, estudioso na área de currículo e de educação em direitos humanos,Magendzo cita a constante presença desta relação, a qual se mostra de forma complexa e que se intensificou frente as reformas curriculares atuais. Para a análise desta relação, há que se abandonar uma postura ingênua e considerar um campo problemático, de tensões e conflito.

Para tanto, deve-se desvelar  as contradições,  o que requer humildade para reconhecer o inicio de uma longa trajetória.

Desta forma,  nas relações  entre políticas de currículo e direitos humanos,  perceberemos que estamos navegando em águas pouco trilhadas por nós, o que requer  considerações sobre questões fundamentais para efetivarmos tal contextualização, o que representa o objetivo do texto.

Questões como: Tem sentido hoje o discurso sobre os direitos humanos? Por que educar em direitos humanos? O que é educar em direitos humanos?



Tem sentido hoje o discurso sobre os direitos humanos?



Deve-se considerar a relevância do discurso sobre direitos humanos no momento atual nas esferas: mundial, continental e federal.

Internacionalmente, são múltiplas e diversas as violações dos direitos humanos e desrespeito ás normas internacionais relativas à proteção e defesa da dignidade humana.

As políticas neoliberais e  a globalização são realidades que acentuam a exclusão, porém não afetam igualmente todos os grupos sociais e culturais, nem todos os países em nem todas as regiões do país.  Nesta sociedade, marcada pela competitividade, os considerados diferentes, os “perdedores” presenciam, a cada dia, a negação do “ direito a ter direitos.”  (((Paulo Freire: A verdade do opressor reside na consciência do oprimido))))))

Nacionalmente,observa-se a vivencia de um quadro sombrio tanto social quanto político. Caracteriza-se pela desigualdade e exclusão  econômica, social, racial e cultural, decorrentes de um modelo de Estado neoliberal, no qual as política públicas priorizam os direitos civis e políticos em detrimento dos direitos, econômicos, sociais e coletivos.

Cria-se uma situação contraditória entre a proclamação contínua dos direitos humanos e a experiência cotidiana de cada um, o que gera a afirmação, por parte de muitos, de que os direitos humanos constituem um discurso vazio e retórico.

Apesar do panorama desolador pode-se detectar progressivamente a afirmação de uma nova sensibilidade  social, ética, política e cultural, na qual, através do Fórum Social Mundial   aglutinam-se sujeitos individuais e coletivos, organizações , militantes  , constituindo redes que clamam por gestos  e ações concretas quanto a possibilidade de um outro mundo.   



Por que educar em direitos humanos?

Há que se avaliar a possibilidade e o sentido de educar em e para os direitos humanos.

Primeiramente, entender que os direitos humanos não são “naturais”, são conquista históricas que remetem á uma progressiva tomada de consciência do significado de ser humano.

Conforme citação na ONU, em 2005, na Declaração e Programa de Ação de Viena: A  Conferencia mundial em  de Direitos Humanos considera: a educação, a capacitação e informação pública em matéria de direitos humanos são indispensáveis para estabelecer e promover relações estáveis e harmoniosas entre as comunidades e para fomentar a compreensão mútua, a tolerância e a paz.”

A atualidade mostra um retrocesso, na medida em que seres humanos são considerados descartáveis. Vê-se então a importância da conscientização da dignidade humana e promoção de uma cultura de direitos humanos.

Outro aspecto importante é a relação entre a educação como direito humano e a educação em direitos humanos. Considera-se a educação em direitos humanos como uma parte integrante do direito à educação. O Comitê dos direitos das crianças enfatiza que a educação a que uma criança tem direito é a que tem por objeto prepará-la  para a vida cotidiana, capacitá-la pra desfrutar os direitos humanos e fomentar uma cultura em que prevaleçam valores de direitos humanos apropriados.

A fundamentação da importância da educação em direitos humanos também se refere ao fato desta ser indispensável para a efetivação de todos os direitos humanos em nossa sociedade.

Conforme cita Fritzche, professor de ciência política, “ Para que serve ter direitos humanos  se não os conhecemos  que para que conhecê-los se não os compreendemos?”

E ainda questiona: “ Para que serve compreendê-los  se ninguém está preparado para respeitá-los e promovê-los?”

Ainda, um último motivo para se educar em direitos humanos: íntima relação entre democracia, cidadania e direitos humanos. A educação ganha maior importância quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e às suas potencialidades, elevação da auto-estima dos grupos sociais excluídos, efetivando assim a plena cidadania.

Desta forma, a autora propõe a construção de uma cultura dos direitos humanos que penetre os diferentes espaços da vida social, desde a família às estruturas e políticas do Estado.



O que é educar em direitos humanos?

A definição de educação em direitos humanos não é ainda clara.

Em 2002, uma tentativa foi esboçada neste sentido, por Shulamith Koenig,através de um entusiasmado debate entre mais de 3000 educadores para os direitos humanos ao redor do mundo, sem entretanto emergir uma definição de consenso.

No continente latino-americano,  Abraham Magendzo coordena o Instituto Interamericano de direitos humanos( IIDH), da Costa Rica, no período de 1999-2000, o que promove  a construção de referenciais a partir de uma ampla pesquisa.Nesta, é feito um balanço crítico da educação em direitos humanos na América Latina através da participação de um pesquisador de cada país para se realizar um estudo de caso em seu respectivo contexto.

Participaram: Argentina, Chile, Peru, Brasil, Colombia, Guatemala e México. Após  a realização dos estudos de caso nacionais, convocou-se um seminário em Lima em 1999 que teve como objetivo discutir e elaborar uma síntese final do processo, além de levantar questões para o desenvolvimento da educação em direitos humanos em 2000.

Principais temas discutidos:

1-Contextualizar o sentido da educação em direitos humanos com o novo marco político, social, econômico e cultural. As políticas neoliberais, a debilidade da sociedade civil, a crescente exclusão social e a falta de horizonte utópico para a construção social. Observa-se nesta última década, diferente dos anos 80, a entrada dos Estados Unidos, devendo-se debater então, questões relativas ao sentido da educação em direitos humanos  e os objetivos que se pretende alcançar.

2- Importante evitar que a polissemia das expressões utilizadas  causem ambiguidade ou restrinjam  a educação em direitos humanos  a uma educação em valores, inibindo seu caráter político. O fato de se “alargar” a expressão pode causar a perda da especificidade, reduzindo-a a um grande “chapéu”, sob o qual se coloca as mais variadas coisas.

Ao final do seminário constatou-se a necessidade de se reforçar 3 dimensões:

*      Formação de sujeitos de direito:  tem-se uma consciência débil e se pensa o direito com “ dádivas”.Deve-se favorecer processos de formação de sujeitos de direito ( pessoal e coletivo) com articulação ética, política e social e práticas concretas.

*      Favorecer o processo de “ empoderamento”: permitir que a pessoa seja o sujeito de sua vida  e ator social. Também há a aplicação coletiva ( grupos sociais, minorias) através da qual se favorece a organização e participação civil ativa.

*      Necessidade de processos de transformação para a construção de sociedades humanas e democráticas. “ Educar para o nunca mais”: resgatando a memória histórica,rompendo a cultura do silêncio e da impunidade para que se construa a identidade   de um povo.

Esses 3 componentes constituem o horizonte de sentido da educação em direitos humanos.

Para isso, são necessárias estratégias metodológicas coerentes com as finalidades expostas. Requer metodologias ativas, participativas e com diferentes linguagens.  

É fundamental que se tenha como referência a realidade e o trabalho com diferentes dimensões dos processos educativos e do cotidiano escolar, além de se considerar a abordagem específica em contextos específicos.

Há que se transformar mentalidades, atitudes, dinâmicas organizacionais, práticas e comportamentos cotidianos.

A dificuldade  existe em promover processos de formação que trabalhem profundidade e que favoreçam a constituição de sujeitos e atores sociais pessoal e coletivamente.

             Considerando a educação escolar, são assinalados elementos capazes de ajudar a               caracterizar experiências que podem ou não ser consideradas educação em direitos humanos:



*      O que não é educação em direitos humanos:



ü  atividades esporádicas não integradas entre si;

ü  apenas campanhas episódicas;

ü  conteúdo de algumas disciplinas ou uma disciplina pontual;

ü  formação em valores, simplesmente;

ü  conhecimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, por exemplo, como única forma de respeito a estes direitos.



*      O que é educação em direitos humanos:



ü  processo dinâmico, sistemático, multidimensional que forme indivíduos conscientes dos seus direitos e deveres, e que os faça cidadãos participantes;

ü  atividades, atitudes, saberes e práticas que construam uma sólida cultura de direitos humanos na escola e na sociedade;

ü  desenvolvimento da consciência da dignidade em cada indivíduo;

ü  processos onde estejam presentes, segundo Sime, as pedagogias da indignação, da admiração e das convicções firmes;

ü  promoção do trabalho coletivo, do incremento da auto-estima, e o desenvolvimento do conceito de importância social dos excluídos.



Educar em direitos humanos no âmbito escolar: principais desafios

A ONU (2002) define como educação em direitos humanos: “conjunto de atividades de capacitação e difusão de informações orientadas para criar uma cultura universal na esfera dos direitos humanos mediante a transmissão de conhecimento, o ensino de técnicas e a formação de atitudes”.

Com esta tarefa em vista, quais são os desafios?

1.       desconstruir a visão do senso comum de que defender os direitos humanos é apenas defender bandidos. Trata-se de lutar pela defesa da dignidade de todas as pessoas e do estado de direito da sociedade, e aí se incluem “os bandidos”, ou mergulharíamos de novo na barbárie.



2.       optar entre diferentes concepções de educação em direitos humanos: dois enfoques principais se evidenciam, o neoliberal e o dialético.

A visão neoliberal tende a ver o respeito aos direitos humanos como determinante da melhoria da sociedade, sem entretanto questionar o seu modelo; enfatiza os direitos individuais, a ética, os direitos civis e políticos (centrados no processo eleitoral). Formar cidadãos é formar indivíduos produtores e indivíduos consumidores, e isto se faz nas escolas dentro de uma visão construtivista e transversal, privilegiando as dimensões psicoafetivas, interacionista e experiencial.

A visão dialética e contra-hegemônica diz que os direitos humanos devem ser mediações para a construção de uma sociedade inclusiva, auto-sustentável e plural. Propõe uma cidadania coletiva, organizada, apóia a transformação social e defende a inclusão, com poder, dos marginalizados. Diz que os direitos políticos não devem ser garantidos apenas pelo processo eleitoral, passível de manipulação, propõe discussões a respeito dos direitos associados à revolução tecnológica e à globalização. Na escola, privilegia a interdisciplinaridade, admite as dimensões sócio-cultural, afetiva, experiencial como entende a pedagogia crítica e segue o construtivismo sociocultural.

As duas perspectivas freqüentemente se cruzam, mas é importante ter uma delas como referencial principal.



3.       preservar o direito à diferença: há controvérsias a respeito do privilégio ou da igualdade, ou das diferenças; entretanto, aconselhável é fazer dialogarem ambas as posições. Na verdade, igualdade não é oposta a diferença, e sim a desigualdade... Diferença se opõe a padronização e não a igualdade... Então, o que se pretende aqui é abominar a padronização ao mesmo tempo que lutar contra a desigualdade na sociedade, ou seja, lutar pela igualdade e pelo respeito à diferença, ao mesmo tempo.



4.       construir ambientes escolares que respeitam e promovem os direitos humanos: não se pode reduzir a educação em direitos humanos a alguns conteúdos esparsos no currículo escolar. É preciso criar um ambiente de direitos humanos respeitados, em todos os momentos e todas as situações cotidianas, e por todas as pessoas. O Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos da ONU (2005) diz que esta deve incluir duas dimensões: o contexto educativo e as ações eficazes que garantam o respeito aos direitos humanos. Isto pede estratégias amplas, que saem do domínio da escola e englobam o Poder Público e a sociedade.



5.       incorporar a educação em direitos humanos no currículo escolar: para as escolas fundamental e média existe o consenso de que não se deve introduzir o conteúdo através de uma disciplina específica, mas sim fazê-lo permear todas as estratégias de ensino, sejam disciplinas, sejam projetos específicos.



6.       introduzir o conteúdo desejado na formação inicial e continuada de educadores: as ações neste sentido são mínimas, infelizmente. Não se pode, no entanto, imaginar que educadores transmitam valores não vividos continuamente por eles mesmos.



7.       estimular a produção de material de apoio: ainda são poucos e precários estes recursos, e é preciso que este cenário mude.



Em resumo, vê-se que é urgente a construção de uma cultura social de respeito aos direitos humanos e o diálogo contínuo entre escola-sociedade, para que possamos dar conta do longo caminho que há a percorrer.



Reflexão: analisar o Índice de Felicidade Interna Bruta, enfatizando a sua proposta de construção de uma cultura (expressa pelo índice FIB) que transcende os valores capitalistas sem entretanto negá-los.


Porangaba SP







*       

3 comentários:

  1. Muito bom o texto acima.Parabéns. O seu blog ficou com um visual bem suave.

    ResponderExcluir
  2. Mais um texto denso e resumo correspondendo à leitura feita. Lê-lo me remeteu às questões acerca do assunto em aula, quando você e Graça tão bem o expuseram.

    ResponderExcluir